sábado, 29 de novembro de 2008

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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A Sociologia de Sívio Romero: Método Monográfico e Crítica ao Monocausalismo.

É meu propósito, nesta segunda parte, ilustrar a forma em que o sociólogo sergipano Sílvio Romero formulou o seu método monográfico (elemento fundamental do culturalismo sociológico) e a maneira segundo a qual ele efetivou a crítica ao monocausalismo em ciências sociais. A fim de cumprir com esse propósito e para enquadrar a análise proposta no contexto do pensamento sociológico universal e destacar, de outro lado, as influências que da metodologia romeriana decorreram para a ulterior evolução da sociologia no Brasil, dividirei a minha exposição em três itens, a saber: 1) a influência recebida por Sílvio Romero da sociologia de Frédéric Le-Play (1806/1882); 2) o método monográfico em Sílvio Romero e a sua crítica ao monocausalismo em ciências sociais; 3) a herança do método monográfico de Sílvio Romero na sociologia de Francisco José de Oliveira Vianna (1883/1951).

1) A influência recebida por Sílvio Romero da sociologia de Frédéric Le-Play.
Embora pertencessem a universos intelectuais diferentes, pois Le-Play era um típico representante do conservadorismo católico francês (fato que levou Jean Touchard a caracterizar o seu pensamento como procedente “de uma espécie de positivismo católico” com traços mitigados de saint-simonismo [Touchard, 1972: 522]), ao passo que Sílvio Romero inspirava-se num positivismo temperado pelo spencerismo, sem que o iluminasse a perspectiva católica [Paim, 1992: 806/808], o certo é que o sociólogo francês deitou as bases do método monográfico que o brasileiro assumiu nas suas pesquisas sociais.
Em vários escritos seus, Sílvio Romero deixou clara a inspiração do seu método na sociologia de Le-Play. No prefácio à segunda edição da sua obra intitulada Filosofia do Direito, por exemplo, Romero escreveu: “Sendo o autor professor de Filosofia do Direito na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, era natural que procurasse pôr o seu livro de acordo com o programa de sua cadeira. É o que fez. (...). E para facilitar-lhe a tarefa, não oculta as influências que, com maiores ou menores reduções, tem sofrido seu espírito até a situação atual. (...). Mais recentemente, [tem sido influenciado pelos] grandes discípulos de Le-Play —Ed. Demolins, P. de Rouziers, H. de Tourville, L. Poinrard, A. de Preville— nos processos de observação aplicados com peculiar capricho às classes sociais e ao estudo das nações (...)” [Romero, 1969: 499/500].
No Prefácio que Sílvio Romero escreveu para os seus Ensaios de Sociologia e Literatura, destacava, da seguinte forma, a inspiração que o seu método sociológico recebeu da escola lepleyana, salientando que o que lhe interessou nela não foi tanto a classificação dos fenômenos sociológicos, quanto as questões diretamente relacionadas à metodologia monográfica. Eis as palavras de Romero a respeito: “Resta-nos (...) referir a nomenclatura social de Henrique de Tourville, o ilustre continuador e reformador da doutrina de Le-Play, o grande espírito que melhor aplicou o método da observação na ciência social. Quando demos a primeira edição deste livro (...), não conhecíamos ainda os consideráveis estudos dessa escola, cujos processos e métodos adotamos, porque eles vêm reforçar as doutrinas capitais do evolucionismo sociológico de Spencer. A nomenclatura de Henrique de Tourville foi organizada em 1886, no mesmo ano em que apareceu a Introduction à la Sociologie de de Greef (...) e é esta: Meios de Existência, o Lugar, o Trabalho, a Propriedade, os Bens Móveis, o Salário, a Poupança (sobras econômicas), a Família, o Modo de Existência, a Patronagem, o Comércio, as Culturas Intelectuais, a Religião, a Vizinhança, as Corporações, a Comuna, as Uniões de Comunas, a Cidade, a Região (divisão da Província), a Província, o Estado, a Expansão da Raça, o Estrangeiro, a História da Raça, a Posição ou Hierarquia da Raça. Esta nomenclatura é desenvolvida e sustentada em graves argumentos. Parece-nos, porém, mais uma série de questões e problemas a serem estudados pelos processos de observação, do que uma classificação dos fenômenos sociológicos” [Romero, 1969: 608].
No Prólogo à segunda edição da sua obra intitulada Doutrina contra doutrina: o Evolucionismo e o Positivismo no Brasil, o nosso autor escreve: “As páginas precedentes, a este assunto consagradas na primeira edição deste livro, devem agora ser ampliadas e retificadas pelo que aprendemos nos estudos dos discípulos da escola de Le-Play, cujos processos fundamentais adotamos, além de grande parte de suas conclusões sobre a índole das nações antigas e modernas. A família, estudada quer historicamente, quer na atualidade, apresenta quatro modalidades típicas, do maior valor para quem quiser compreender a índole das sociedades a quem servem de base fundamental. Uma sociedade vale pelo que vale nela a família. Os quatro tipos são: família patriarcal, família quase patriarcal, família-tronco (“souche”), família instável, aceitando as modificações feitas nas idéias de Le-Play, por seus discípulos. O velho mestre só tinha classificado três tipos e acertadamente foi corrigido neste ponto” [Romero, 1969: 629/230].
Antes de analisar a exposição que Sílvio Romero fez do seu método sociológico e da forma em que ele criticou o monocausalismo, destacarei os aspectos fundamentais da metodologia lepleyana. Segundo frisou um dos mais importantes discípulos de Le-Play, Edmond Demolins, no opúsculo intitulado Le-Play et son oeuvre de réforme sociale (Paris, Aux Bureaux de la Réforme Sociale, 1884), Le-Play buscava identificar, na paciente análise dos fenômenos sociais, as leis que garantiriam a paz das sociedades. Ora, essas leis, cientificamente descobertas, deveriam ser imutáveis, em que pese o fato de somente mediante a experiência poderem ser conhecidas. “(...) Habituado pelos seus estudos profissionais —escreve Demolins de Le-Play— ao rigor dos cálculos matemáticos e das observações científicas, ele se recusava a aceitar, como muitos dos seus condiscípulos [da Escola Politécnica de Paris], os sistemas teóricos e a priori das diversas escolas sociais. Deveria haver, pensava ele, um critério que permitisse reconhecer, com toda evidência científica, as causas que produzem a prosperidade ou a decadência das sociedades. Esse critério não poderia estar presente nas invenções teóricas e arbitrárias, mas nos fatos sociais metodicamente observados. Efetivamente, posto que existem leis para as sociedades de formigas e de abelhas, elas devem existir também para a sociedade dos homens, que é mais elevada e mais perfeita, e essas leis não poderiam variar com os países e as épocas. Elas deveriam ser imutáveis e serem reconhecidas pelo fato de que ensejariam sempre a paz e a estabilidade. Trata-se, pois, não de se trancar no seu gabinete, como Rousseau, para dissertar ali doutoralmente sobre a constituição dos povos, mas de percorrer o mundo para ali recolher fatos, muitos fatos que, uma vez coordenados, deverão revelar o segredo das sociedades humanas, bem como as leis fundamentais que os povos não podem desconhecer, sem cair na decadência e na decomposição” [Demolins, 1884: 5].
Demolins considerava que a sociologia leplayana se defrontava com uma dificuldade básica: como organizar a multidão heterogênea de fenômenos observados? No entanto, as primeiras viagens de estudos feitas por Le-Play na Europa, logo lhe revelaram o caminho para organizar os fatos apreendidos: tratava-se de estudar pacientemente as condições em que viviam os povos que tinham conseguido conservar a paz social e a estabilidade. De outro lado, o sociólogo francês compreendeu que “(...) deveria se despojar, de entrada, de todos os preconceitos que a sua educação e o meio em que vivia poderiam ter sedimentado no seu espírito, a fim de aceitar todas as verdades que lhe fossem reveladas pela observação, mesmo que elas contradissessem as suas mais caras crenças” [Demolins, 1884: 6]. Essa observação, cientificamente conduzida, permitiria ao estudioso “(...) fazer, de alguma maneira, a autópsia do corpo social, classificar os fatos observados numa ordem científica e daí induzir as conseqüências, com uma evidência capaz de ensejar a convicção de qualquer espírito desejoso de chegar à verdade” [Demolins, 1884: 9].
Entendendo o corpo social como um grande organismo, Le-Play considerava que as leis gerais do mesmo deveriam já estar escritas nas suas células. Daí por que ele achava que se deveriam primeiro analisar as idéias, costumes e instituições da vida privada, que se encontravam presentes, com anterioridade ontológica, na família. Nisso consistia, basicamente, o método monográfico. A respeito, Demolins escrevia: “(...) Le-Play encontrou a revelação do método das monografias num fato que foi colocado em evidência pelas suas diversas observações, a saber, que a verdadeira constituição de um povo repousa nas idéias, nos costumes e nas instituições da vida privada, mais do que nas leis escritas; a vida privada é a que imprime o seu caráter à vida pública; a família é a que constitui o princípio do Estado” (Demolins, 1884: 9). Estava formulado, destarte, o método monográfico. De acordo com ele, a pesquisa sociológica deveria se debruçar sobre as tipologias familiares, a fim de observar as leis fundamentais que presidiam à sua organização para, depois, formular os princípios reitores da organização do Estado. Demolins concluía nestes termos: “(...) Desta forma, a maneira de proceder estava naturalmente indicada. Tratava-se de observar, nos mínimos detalhes, um certo número de famílias, a fim de descobrir ali, na sua fonte mais profunda, as causas da força e da fraqueza, da prosperidade ou da decadência das nações. Limitado assim à família, o trabalho de observação que teria sido vago, indefinido e sem conclusões possíveis, se tivesse sido aplicado quer aos indivíduos isolados, quer ao conjunto dos fatos sociais, converter-se-ia em algo preciso e concluente” [Demolins, 1884: 9].

2) O método monográfico em Sílvio Romero e a sua crítica ao monocausalismo em ciências sociais.
Como já foi destacado no item anterior, Sílvio Romero, seguindo a proposta de Henrique de Tourville, alargou o universo inicialmente indicado por Le-Play para os seus estudos monográficos, passando da família à sociedade, entendida esta não como um todo unitário a ser estudado a partir de um único ângulo, mas como totalidade complexa, passível de ser analisada a partir de “(...) uma série de questões e problemas a serem estudados pelos processos de observação (...)”. Essas questões e problemas tinham sido assim enunciados por Tourville: meios de existência, o lugar, o trabalho, a propriedade, os bens móveis, o salário, a poupança, a família, o modo de existência, a patronagem, o comércio, as culturas intelectuais, a religião, a vizinhança, as corporações, a comuna, as uniões de comunas, a cidade, a região, a província, o Estado, a expansão da raça, o estrangeiro, a história da raça e a posição ou hierarquia da raça. Ora, Sílvio Romero adotou o método monográfico aplicado a essas variáveis, pelo fato de ser compatível com “as doutrinas capitais do evolucionismo sociológico de Spencer”.
No contexto do positivismo evolucionista que o empolgava, Sílvio Romero considerava que não se podia mais admitir a contraposição entre ciências da natureza e ciências do homem.”(...) Semelhante antinomia —escreveu o pensador sergipano— foi um dos grandes embaraços ao espírito científico dos velhos tempos. A intuição evolucionista de nossa época atravessou esta barreira e arredou este empecilho. O homem é apenas um fenômeno no imenso mundo dos fenômenos; a sociedade, um grande fato observável no meio de milhares de outros fatos também observáveis. (...) Por amor ao método, podemos ainda hoje falar da Natureza e da Humanidade, como os dois grandes todos, as duas enormes somas de fenômenos, as duas colossais esferas diversas de fatos que, tendo muitos pontos de contato, são igualmente capazes de dar lugar a duas peculiares ciências: a Naturalística, Naturologia, Cosmológica, Cosmologia, ou qualquer outra denominação mais perfeita. de um lado, e a Sociologia, Socialística, Socionomia, ou qualquer outro nome mais bem-feito, de outro lado” [Romero, 1969: 514].
Entendendo a filosofia à maneira positivista, como classificação das ciências, e a história à maneira spenceriana, como apreensão do processo evolutivo do espírito humano, Romero classificou as ciências em quatro grandes grupos: a) Propedêuticas (Lógica —ou formas do mundo subjetivo— e Matemática —ou formas do mundo objetivo—); b) Naturalística (Mecânica, Física, Astronomia ou Física Celeste, Geogenia —Geologia, Mineralogia e Geografia—, Química, Biologia e Psicologia); c) Transição (Antropologia, Etnografia e Lingüística) e d) Socialística (Indústria ou Ciências das Indústrias ou Economia Política —, Arte e Ciência das Artes —ou Estética—, Religião e Ciência das Religiões —ou Crítica Religiosa, Direito e Ciência do Direito —ou Jurisprudência—, Política —ou Ciência da Política e da Administração do Estado— e Moral e Ciência da Moral —ou Ética—) [Romero, 1969:515].
Essa classificação centrava-se, como frisamos atrás, ao redor de dois grandes pólos: a Natureza e o Homem. O princípio que rege a classificação romeriana é de cunho evolucionista e foi identificado pelo nosso pensador como “da complexidade crescente”. Eis a forma em que Romero exprimia esse princípio, no contexto da explicação por ele formulada acerca da classificação das ciências: “A explicação deste quadro didático da classificação das ciências é fácil. Predomina nele o princípio da complexidade crescente, base de toda classificação racional. Inicia-se a série pelo que pode haver de mais geral e simples: as formas e relações, quer do mundo subjetivo, quer do objetivo. As idéias aí reinantes de coexistência e sucessão, simbolizadas nos conceitos de espaço e tempo, dão lugar à Lógica e à Matemática, que constituem uma espécie de Propedêutica geral do estudo das ciências. Após esta propedêutica se destacam os dois grandes objetos de conhecimento: a Natureza, o Mundo, o Universo, como lhe queiram chamar, e o Homem, a Humanidade, a Sociedade” [Romero, 1969: 516].
Retomando a idéia romântica de Zeitgeist (espírito do tempo), num contexto de positivismo dinamizado pela concepção evolucionista, Romero destacava que o clima dos novos tempos era, no terreno da classificação das ciências, o da interrelação dinâmica entre elas, de forma que a renovação das ciências naturais provocava a reformulação das humanas. Na sua obra intitulada Ensaio de Filosofia do Direito, Romero escrevia a respeito: “Aqueles que formamos idéia exata das evoluções do pensamento humano, sabemos que a lei de seu desenvolvimento é um agente de transformações. Todas as ciências avançam nessa translação; umas agem sobre as outras, e é deste modo que as morais experimentam sempre o impulso provindo das físicas e naturais. Uma vez que tenham estas últimas revelado alguma verdade nova, cumpre àquela modificar suas concepções. É sabida a revolução que fez no mundo filosófico a descoberta das verdadeiras leis do Universo. A própria história, que é o receptáculo supremo de todos os avanços triunfais das idéias, modifica-se também por elas” [Romero, 1969: 528].
Quais são as condições de cientificidade da sociologia? Certamente, destaca Sílvio Romero, não poderiamos exigir que nela se desse sempre e infalivelmente a previsão constante e a verificação imediata. Mas, nem por isso a sociologia carece de estatuto científico. No seu Ensaio de Filosofia do Direito, o nosso pensador fixava assim esse estatuto: “Decerto, se de ciência formularmos um conceito exagerado, se dissermos, verbigratia, que só é ciência ‘um complexo de conhecimentos organizados e sistematizados de forma que neles se dê sempre e infalivelmente previsão constante e verificação imediata’; se dermos tal definição, a Sociologia não é ciência; porém, com ela saem do quadro científico todas as suas companheiras, restando apenas a Matemática. Mas isto é absurdo. Para haver ciência é suficiente a delimitação dos assuntos, a possibilidade de aplicar-lhes o método, a sistematização geral, a indução de leis fundamentais, a previsão mais ou menos segura em vários casos, a verificação na maioria das hipóteses. Destarte a Sociologia entra no quadro. O mais é exagero” [Romero, 1969: 545/546].
Em que pese a presença, na sociologia romeriana, de uma herança determinística, proveniente, sem dúvida, da sua inspiração positivista (fato que levou Romero a formular, como já foi mostrado, o princípio de que as ciências morais “experimentam sempre o impulso provindo das físicas e naturais”), o pensador sergipano deixou claro, contudo, no que tange às ciências sociais, a inexistência de hierarquias ou possíveis substituições entre as variáveis estudadas. Isso eqüivale, sem dúvida, a rejeitar a idéia de monocausalismo. A propósito, escreveu o nosso autor no seu Ensaio de Filosofia do Direito: “Não há lugar aqui para hierarquias quaisquer, nem para substituições possíveis ou prováveis. O mais que neste terreno se poderá praticar é distribuir por grupos os fenômenos sociais, ou criações fundamentais e irredutíveis da humanidade, segundo a nossa expressão. Será alguma coisa de análogo ao que Herbert Spencer fez com as ciências. Assim, as sete ordens de fenômenos da nossa classificação: Criações Industriais ou Econômicas, Criações Religiosas, Criações Artísticas ou Estéticas, Criações Científicas, Criações Jurídicas, Criações Morais, Criações Políticas, se podem distribuir em dois grandes grupos: criações ou fenômenos atinentes a necessidades práticas, por assim dizer materiais da vida social, e criações ou fenômenos atinentes a necessidades teóricas ou ideais” [Romero, 1969: 604].
Não é difícil descobrir, neste ponto, a inspiração de Romero em Le-Play. Segundo testemunho de Demolins, uma vez aplicado o método monográfico a um grande número de famílias, o sociólogo francês descobriu que “(...) os povos devem chegar a duas necessidades essenciais, primordiais, cuja satisfação é para eles de uma absoluta necessidade: o ensino da lei moral, que reprime nos indivíduos a tendência ao mal e a posse do pão cotidiano, que permite satisfazer as necessidades da existência. As sociedades que preenchem estas condições são felizes e prósperas e as que não as equacionam são sofredoras e infelizes (...)” [Demolins, 1884: 10].
Romero agrupou, nas criações do grupo prático, a indústria, o direito, a moral e a política e, nas do grupo teórico, a religião, a arte e a ciência. E não duvidou em destacar o caráter equivalente e irredutível de todas elas. A respeito, o nosso autor escreveu, no seu Ensaio de Filosofia do Direito: “É claro que tal distribuição de fenômenos, coevos, contemporâneos em todas as fases do desenvolvimento social, não deve desconhecer a interdependência que eles mantêm entre si, nem a irredutibilidade que devem conservar, e têm conservado de fato até hoje, a despeito de quaisquer pretensões ilusórias e passageiras em contrário” [Romero, 1969: 605].
Comentando a afirmação de Immanuel Kant de que “Há duas coisas que enchem a minha alma de respeito e admiração: o céu estrelado por cima de nossas cabeças e a lei moral dentro de nós”, o pensador sergipano escreveu, destacando a perfeita compatibilidade entre poesia e ciência: “(...) E Kant sabia bem o que era o céu estrelado, ele, o grande autor da hipótese cosmogônica dos gases de que Laplace apenas fez o cálculo, e sabia melhor ainda o que era a lei moral, ele, um dos mais autorizados predecessores da teoria da descendência apenas desenvolvida por Darwin. Um grande sábio ou um grande gênio não deixa de inspirar respeito, até ao mais materialista e mecanicista de todos os homens. As belezas da Natureza não foram ainda despoetizadas pela Ciência, a despeito das declamações em contrário. Não existe, em suma, antinomia entre conhecimento e veneração, dado de barato que houvéssemos mister de um culto da humanidade, o que não é absolutamente preciso. O que nos cumpre é conhecer os problemas, todos os problemas da vida social, para minorar os males, se possível for, da pobre humanidade, começando por tirá-la da tentação da sociolatria” [Romero, 1969: 534].
O nosso autor rejeita, como se pode observar, a religião da humanidade comteana, que fazia da sociedade objeto de culto, não objeto de estudo. Mas, mesmo reconhecendo o estatuto científico da sociologia, Romero destaca a secreta vinculação que encadeia toda a série de criações do espírito humano (entre as quais se encontra a poesia), sob o primado do “espírito preparado pela crítica científica”. A respeito, o pensador sergipano escreveu, no seu Ensaio de Filosofia do Direito: “É uma verdade já muito repetida que a poesia e a arte sempre trazem o cunho dos tempos que atravessam. Qual é o cunho do nosso? Reconhecem todos: o espírito preparado pela crítica científica, pelo criticismo filosófico e pelo transformismo biológico (...). A poesia não é uma sombra missantrópica, sem alegrias, sem esperanças, que não quer assistir às lutas, às glórias do século. Não é uma força que vai perdendo a vida, que não anda, que se sente morrer, que desespera de si. Como tudo, ela é forçada a seguir o foco de onde se desentranha, a onda que a leva. Este foco, esta onda são o próprio homem; se este não cansa, a poesia não deve parar. A poesia vive conosco, palpita no seio da humanidade, é um dos seus predicamentos imanentes. O homem interior reforma-se com as evoluções da história e novas inspirações se mostram no seio da literatura. Na vasta obra da poesia e da arte, transformadas pela ciência e pelas novas inclinações da cultura contemporânea, todos os assuntos têm o direito de apresentar-se. Nem será isto sua característica especial. A questão não é de número e sim de intuição. A poesia e a arte devem pelas transformações filosóficas moldar suas criações; e a poesia sobretudo não escapa a esta necessidade; é a que mais se lhe deve acomodar. Se a intuição criticista espancou da ciência o sobrenatural, indicando o caráter e a seriação de todas as crenças humanas; se o colocou em região inacessível ao pensamento, quando mostrou as leis da evolução histórica, não deve a poesia ser obstinada em conservar suas velhas fantasias. As artes, dando às causas seu inteiro rigor, não se conformam por si; dependem de um material estranho que lhes fornece a vida: o espírito do tempo” [Romero, 1969: 529].
Mas, indagamos: se o espírito do tempo é conformado à luz da resposta crítica dada pela razão face à natureza, não estaria o pensador sergipano privilegiando uma ordem de fenômenos, os naturais, sobre o fenômeno humano? E se, ao interior deste último, o espírito do tempo é forjado ao ensejo da resposta crítica que a razão dá, seguindo a corrente assinalada pelas ciências da natureza, não estará a poesia prisioneira da razão científica? Não parece que o nosso autor consiga superar essa aporia, em decorrência de sua inspiração positivista e spenceriana, em que pese a profissão de fé humanista que o vimos fazer ao se referir à criação poética.
Sílvio Romero dedicou especial atenção à discussão acerca de se a sociologia negava a liberdade humana. Essa problemática tinha sido levantada por Tobias Barreto, quem afirmava: “(...) Enquanto não se provar ser a vontade humana uma força motriz, como o calor ou a eletricidade, a sociologia nada vale”(apud Romero, 1969: 535). O nosso autor considerava que a dificuldade levantada pelo fundador da Escola do Recife decorria de um duplo equívoco: em primeiro lugar, postular um único tipo de causalidade para todas as ciências, o mecanicista; em segundo lugar, afirmar um conceito de liberdade à maneira dos escolásticos, como liberdade absoluta ou liberum arbitrium indifferentiae. Ora, Sílvio Romero mostrou que nem uma nem outra hipóteses eram válidas. No seu Ensaio de Filosofia do Direito, o grande sergipano afirmou: “Opinamos de modo diverso: admitimos com Tobias Barreto a liberdade, e com Spencer a sociologia. Não existe incompatibilidade entre as duas afirmações. O próprio filósofo brasileiro nos fala de uma ciência do Direito, como disciplina da sociedade, ciência que deveria ser impossível se onde se desse a liberdade, como no Direito, não chegasse a Ciência. Esse preconceito (...) provinha de outro ainda maior: supor que só mecanismos, só de coisas mecânicas é que pode haver ciência. Tal a razão por que ele acrescenta —‘enquanto não se provar ser a vontade humana uma força motriz, como o calor ou a eletricidade, a Sociologia nada vale’. Nosso trabalho neste ponto está, pois, indicado pelo próprio filósofo, nosso amigo: provar a existência da liberdade e conciliá-la com a Ciência. A primeira parte da empresa é quase desnecessária, porquanto ele próprio admite a liberdade. Ninguém hoje acredita mais, nem defende a liberdade absoluta (...). Sustenta-se apenas a liberdade relativa, fato indiscutível da consciência. Reconheceu-se, e Tobias Barreto mais tarde também entrou nesta direção, ser ela um predicado da inteligência mais do que da vontade (...)” [Romero, 1969: 534-535].
Qual era o conceito positivo que de liberdade tinha Sílvio Romero e em relação ao qual firmava o conceito de Sociologia como ciência humana? Seguindo a teoria de Wundt, o pensador sergipano definiu a liberdade como sentimento em que entram elementos da inteligência e da vontade. No seu Ensaio de Filosofia do Direito escreveu a respeito: “A liberdade não é um princípio peculiar da vontade, nem privativo da inteligência, é produto inteiramente similar aos sentimentos. A crítica profunda de Wundt tirou completamente a limpo a natureza complexa destes últimos, em que entram elementos da sensibilidade e da inteligência, reunidos sinteticamente. É o que, parece-nos, acontece com a liberdade; é um sentimento em que entram elementos da inteligência e da vontade. É tão inatacável como o são o sentimento do belo, o sentimento da honra, o sentimento do amor ou outro qualquer, que tem as suas raízes nas profundezas mais recônditas da psicologia humana. Admitida assim a liberdade, não é mister identificá-la a um produto mecânico para conciliá-la com a Ciência. Semelhante rigor levar-nos-ia também a não admitir como ciência nem a Psicologia, nem a Estética, nem a Moral, nem a própria Biologia, naquilo em que esta mesma não admite explicações mecânicas, na opinião de Kant, abraçada por Tobias Barreto. É, além disso, um abuso injustificável pretender que só do mecânico pode existir ciência. A razão deste desacerto reside no fato de suporem seus autores que só existe previsão nos fatos mecânicos das ciências exatas. Já Spencer provou contra Froude que a última afirmativa não é exata, isto é, provou que em Sociologia há muitas vezes previsão e que esta nem sempre existe nas ciências exatas” [Romero, 1969: 536].

3) A herança do método monográfico de Sílvio Romero na sociologia de Francisco José Oliveira Vianna (1883/1951).
O método monográfico da escola de Le-Play, complementado com a assimilação que do mesmo fez Sílvio Romero, teve influência significativa na obra de Oliveira Vianna, notadamente nos seus estudos de Sociologia do Direito. Analisando as relações entre Direito, Cultura e Comportamento Social, Oliveira Vianna lembrava que dos oito métodos enumerados por Jacobsen como utilizáveis no estudo da ciência política, do direito público e das instituições do Estado (histórico, comparativo, filosófico, experimental, biológico, psicológico e legístico), só apenas um tinha sido aplicado no Brasil, o legístico, que “(...) vê a sociedade política apenas como uma coleção de direitos e obrigações expressos em lei e tende a não levar em conta as forças sociais e extralegais, sem as quais, entretanto, não seria possível nenhuma explicação que corresponda aos fatos da vida do Estado” [Vianna, 1974, I: 33/34]. Quanto ao moderno método científico ou sociológico, que se caracteriza pela objetividade dos seus critérios, Oliveira Vianna supunha que em geral os nossos juristas o consideraram sempre uma impertinência, continuando fiéis à metodologia de Rui Barbosa. O pioneirismo nesse campo estava representado, no sentir do sociólogo fluminense, por Alberto Torres, Sílvio Romero, Euclides da Cunha e por ele mesmo. A respeito, escreveu: “O segundo tipo de estudos —do direito como costume ou cultura— tem o seu primeiro padrão nos estudos de Torres, começando com a pioneiragem de Sílvio e Euclides. Depois, no estudo sistemático e rigorosamente científico que, nos meus livros, venho fazendo da história e da sociologia das nossas instituições políticas e partidárias”. Informava ter lido Sílvio Romero, quem primeiro o influenciou desde 1900, quando ainda era estudante. O elemento mais importante dessa influência foi a revelação da escola lepleyana, cujo critério monográfico Oliveira Vianna achou desde então o mais apropriado para o estudo do povo brasileiro. O ulterior encontro com Alberto Torres (em 1914), quando o nosso autor já era bacharel em Direito, bem como o estudo dos sociólogos americanos, vieram aprofundar a herança recebida de Sílvio Romero e Euclides da Cunha.
Para Oliveira Vianna era um fato que o método sociológico aplicava-se, cada vez com maior intensidade, ao campo do direito. A grande preocupação aqui era com a objetividade, que ele entendia assim: “(...) Objetividade —eis o caráter que distingue esta face moderna da ciência do direito, esta nova metodologia, esta nova atitude dos espíritos em face do fenômeno jurídico. Estudar a vida do direito criminal, do direito constitucional, do direito internacional com a mesma objetividade com que Levy Bruhl estudou as funções mentais nas sociedades primitivas, ou Radcliffe-Brown os ritos mágicos dos indígenas das Ilhas Adaman, ou Malinowski a vida dos insulares da Melanésia —eis o ideal do moderno estudo do direito como ciência social, seja o Direito Privado, seja o Direito Público” [Vianna, 1974, I: 35].
Mas o método monográfico não deveria se restringir, no conceito de Oliveira Vianna, aos estudos de sociologia do direito. Deveria, ao contrário, ser o método que inspirasse a pesquisa sociológica, em qualquer terreno em que ela se desenvolvesse. No campo social, encontra-se multiplicidade de linhas de evolução, e de fatores que intervêm nessas linhas. “Para essa multiplicidade de tipos —escrevia Oliveira Vianna—, para essa variedade de linhas de evolução, para este heterogenismo inicial contribui um formidável complexo de fatores de toda ordem, vindos da Terra, vindos do Homem, vindos da Sociedade, vindos da História: fatores étnicos, fatores econômicos, fatores geográficos, fatores históricos, fatores climáticos, que a ciência cada vez apura e discrimina, isola e classifica. Estes predominam mais na evolução de tal agregado; aqueles, mais na evolução de outro: mas, qualquer grupo humano é sempre conseqüência da colaboração de todos eles; nenhum há que não seja a resultante da ação de infinitos valores, vindos, a um tempo, da Terra, do Homem, da Sociedade e da História. Todas as teorias, que faziam depender a evolução das sociedades da ação de uma causa única, são hoje teorias abandonadas e peremptas: não há atualmente monocausalismos em ciências sociais”[Vianna, 1956: 26/27].
Entre todos esses fatores, e sem pretender ensejar uma explicação monocausalista, Oliveira Vianna considerava de alta importância o elemento por ele chamado de “ambiente cósmico”, ligado basicamente às condições do solo. Achava que em seu tempo prevaleciam em ciências sociais os trabalhos monográficos, que tentavam identificar os elementos específicos que intervinham em determinado meio “cósmico”. Esses trabalhos deveriam ter como ponto de partida uma única preocupação: conhecermo-nos a nós mesmos, deixando de lado as tentativas de acomodar a nossa realidade a modelos teóricos pré-fixados.
A grande contribuição dada por Oliveira Vianna ao método monográfico da escola lepleyana e de Sílvio Romero, foi o fato de te-lo desvinculado do contexto positivista e evolucionista em que tinha sido inicialmente formulado. A respeito, escrevia o sociólogo fluminense: “Desde o momento em que a ciência confessava a sua ilusão e reconhecia que as leis gerais, a que havia chegado, não correspondiam à realidade das formas infinitas da vida, compreendi que a melhor coisa a fazer não era insistir por encerrar a nossa evolução nacional dentro dessas fórmulas vãs ou querer subordinar nosso ritmo evolutivo a um suposto ritmo geral da evolução humana —ao evolucionismo spenceriano, como fez Sílvio Romero, à teoria filogenética de Haeckel como fez Fausto Cardoso, ou à lei dos três estados, como têm feito os positivistas sistemáticos. Pareceu-me trabalho inútil esforçar-me por descobrir nos acontecimentos da nossa história a revelação dessas leis gerais, de que a própria ciência acabava de instaurar o processo de falência. O mais sábio caminho seria tomar para ponto de partida o nosso povo e estudar-lhe a gênese e as leis da própria evolução. Se estas coincidissem com as supostas leis gerais, tanto melhor para a ciência e para nós; se não, ficaríamos, pelo menos, ‘conhecendo-nos a nós mesmos’ —o que já seria alguma coisa, porque valeria o consolo de estarmos com a sabedoria dos antigos” [Vianna, 1956: 37].

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Histórias populares de Silvio Romero

O macaco e coelho

O macaco e o coelho escolhem onde morar
Um dia, o macaco e o coelho combinaram que o macaco ia matar as borboletas, e o coelho mataria as cobras.
O coelho pegou no sono, veio o macaco e puxou as orelhas dele, pensando que eram borboletas.
Para vingar-se, quando o macaco estava distraído, o coelho deu uma paulada no rabo do macaco e fingiu que estava pensando que era uma cobra.
O macaco saiu correndo e foi viver para sempre no topo das árvores. O coelho, por sua vez, arranjou uma toca debaixo das folhas para morar.

O macaco e o boneco de cera

Uma velha tinha uma bananeira. O macaco comeu as bananas maduras e jogou as verdes para a velha. Ela fez um boneco de cera e deixou no quintal. O macaco pediu:
— Boneco, me dê uma banana, senão eu lhe bato. O boneco, nada. O macaco deu um tapa no boneco e ficou com a mão presa na cera.
Aí a velha agarrou o macaco, picou, cozinhou e comeu. Ficou com dor de barriga. Foi fazer cocô, e nasceu um monte de macaquinhos. Eles saíram pulando e gritando:— Eu vi o fiofó da velha! Eu vi o fiofó da velha!

O macaco é tão safado que engana até a onça
A onça vivia tentando caçar o macaco, e ele fugia. Certo dia, quando os rios e as fontes da Terra secaram, a onça foi esperar o macaco na lagoa que restou.
O macaco encontrou um viajante com umas cabaças de mel. Então, lambuzou-se de mel, cobriu-se de folhas e sempre escapava da onça. Os animais achavam que tinha aparecido um bicho novo e apelidaram o macaco de ``Amiga Folhagem''.
O macaco usou muitas vezes seu disfarce para ir beber água sossegado.

Obras

  • Cantos do fim do século, poesia (1878);
  • A filosofia no Brasil, ensaio (1878);
  • Interpretação filosófica dos fatos históricos, tese (1880);
  • Introdução à história da literatura brasileira (1882);
  • O naturalismo em literatura (1882);
  • Últimos harpejos, poesia (1883);
  • Estudos de literatura contemporânea (1885);
  • Contos populares do Brasil (1885);
  • Estudos sobre a poesia popular do Brasil (1888);
  • Etnografia brasileira (1888);
  • História da literatura brasileira, 2 vols. (1888; 2a ed. 1902; 3a ed. 1943, organização e prefácio de Nélson Romero, 5 vols.);
  • A filosofia e o ensino secundário (1889);
  • A história do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis, didática (1890);
  • Parlamentarismo e presidencialismo na República Cartas ao conselheiro Rui Barbosa (1893);
  • Ensaios de Filosofia do Direito (1895);
  • Machado de Assis (1897);
  • Novos estudos de literatura contemporânea (1898);
  • Ensaios de sociologia e literatura (1901);
  • Martins Pena (1901);
  • Parnaso sergipano, 2 vols.: 1500-1900 e 1899-1904 (1904);
  • Evolução do lirismo brasileiro (1905);
  • Evolução da literatura brasileira (1905);
  • Compêndio de história da literatura brasileira, em colaboração com João Ribeiro (1906);
  • Discurso recebendo Euclides da Cunha na ABL (1907);
  • Zeverissimações ineptas da crítica (1909);
  • Da crítica e sua exata definição (1909);
  • Provocações e debates (1910);
  • Quadro sintético da evolução dos gêneros na literatura brasileira (1911);
  • Minhas contradições, com prefácio de Almáquio Dinis (1914);
  • Trechos escolhidos, seleção e prefácio de Nelson Romero (Nossos clássicos, 25; 1959);
  • Sílvio Romero: teoria, crítica e história literária, com introdução de Antônio Cândido (1978).

Biografia


Sílvio Romero (S. Vasconcelos da Silveira Ramos R.), crítico, ensaísta, folclorista, polemista, professor e historiador da literatura brasileira, nasceu em Lagarto, SE, em 21 de abril de 1851, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18 de julho de 1914. Convidado a comparecer à sessão de instalação da Academia Brasileira de Letras, em 28 de janeiro de 1827, fundou a Cadeira n. 17, escolhendo como patrono Hipólito da Costa.
Foram seus pais o comerciante português André Ramos Romero e sua mulher Maria Joaquina Vasconcelos da Silveira. Na cidade natal iniciou os estudos primários, cursando a escola mista do professor Badu. Em 1863, partiu para a corte, a fim de fazer os preparatórios no Ateneu Fluminense. Em 68, regressou ao Norte e matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife. Formou, ao lado de Tobias Barreto (que cursava o 4o ano quando Sílvio se matriculou no primeiro) e junto com outros moços de então, a Escola do Recife, em que se buscava uma renovação da mentalidade brasileira. Sílvio Romero foi, no início, positivista. Distinguiu-se, porém, dos que formavam o grupo do Rio, onde Miguel Lemos levava o comtismo para o terreno religioso. Espírito mais crítico, Sílvio Romero se afastaria das idéias de Comte para se aproximar da filosofia evolucionista de Herbert Spencer, na busca de métodos objetivos de análise crítica e apreciação do texto literário.
Estava no 2o ano de Direito quando começou a sua atuação jornalística na imprensa pernambucana, publicando a monografia A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista. Desde então, manteve a colaboração, ora como ensaísta e crítico, ora como poeta, nas folhas recifenses, entre elas A Crença, que ele próprio dirigia juntamente com Celso de Magalhães, o Americano, o Correio de Pernambucano, o Diário de Pernambuco, o Movimento, o Jornal do Recife, a República e o Liberal.
Assim que se formou, exerceu a promotoria em Estância. Atraído pela política, elegeu-se deputado à Assembléia provincial de Sergipe, em 1874, mas renunciou, logo depois, à cadeira. Regressou a Recife para tentar fazer-se professor de Filosofia no Colégio das Artes. Realizou-se o concurso no ano seguinte e ele foi classificado em primeiro lugar, mas a Congregação resolveu anular o concurso. A seguir, defendeu tese para conquistar o grau de doutor. Nesse concurso Sílvio Romero se ergueu contra a Congregação da Faculdade de Direito do Recife, afirmando que "a metafísica estava morta" e discutindo, com grande vantagem, com professores como Tavares Belfort e Coelho Rodrigues. Abandonou a sala da Faculdade; foi então submetido a processo pela Congregação, atraindo para si a atenção dos intelectuais da época.
Em fins de 1875, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Foi para Parati, como juiz municipal, e ali demorou-se dois anos e meio. Em 1878, publicou o livro de versos Cantos do fim do século, mal recebido pela crítica da corte. Depois de publicar Últimos harpejos, em 1883, abandonou as tentativas poéticas. Já fixado no Rio de Janeiro, começou a colaborar em O Repórter, de Lopes Trovão. Ali publicou a sua famosa série de perfis políticos. Em 1880 prestou concurso para a cadeira de Filosofia no Colégio Pedro II, conseguindo-a com a tese Interpretação filosófica dos fatos históricos. Jubilou-se como professor do Internato em 2 de junho de 1910. Fez parte também do corpo docente da Faculdade Livre de Direito e da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro.
No governo de Campos Sales, foi deputado provincial e depois federal pelo Estado de Sergipe. Nesse último mandato, foi escolhido relator da Comissão dos 21 do Código Civil e defendeu, então, muitas de suas idéias filosóficas.
Na imprensa do Rio de Janeiro Sílvio Romero tornou-se literariamente poderoso. Admirador incondicional de Tobias Barreto, nunca deixou de colocá-lo acima de Castro Alves; além disso, manteve, durante algum tempo, uma certa má vontade para com a obra de Machado de Assis. Sua crítica injusta motivou Lafayette Rodrigues Pereira a escrever a defesa de Machado de Assis, sob o título Vindiciae. O Sr. Sílvio Romero crítico e filósofo. Como polemista deve-se mencionar ainda a sua permanente luta com José Veríssimo, de quem o separavam fortes divergências de doutrina, método, temperamento, e com quem discutiu violentamente. Nesse âmbito, reuniu as suas polêmicas na obra Zeverissimações ineptas da crítica (1909).
Sílvio Romero foi um pesquisador bibliográfico sério e minucioso. Preocupou-se sobretudo com o levantamento sociológico em torno de autor e obra. Sua força estava nas idéias de âmbito geral e no profundo sentido de brasilidade que imprimia em tudo que escrevia. A sua contribuição à historiografia literária brasileira é uma das mais importantes de seu tempo.
Era membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e de diversas outras associações literárias
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